Os Pés

Ah os pés. Os meus nasceram pra dançar. Deslizar pelo salão com sapatilhas, rodopiar, rodopiar, rodopiar, até ficar tonta. Nasceram pra procurar lugares. Saracutir pelos cantos. Foram feitos para fugir e encontrar. Para procurar chinelos em quartos escuros. Nasceram para enroscar em pernas que me deixam bamba. São os que me seguram em pé depois de alguns copos de vinho. Foram eles que me equilibraram na beira da calçada enquanto eu brincava de ser criança. Os meus pés. Eles foram feitos pra me dependurar no tecido acrobático e ver o mundo sob outra perspectiva (de ponta cabeça). E são feitos de lembranças, da queda do parquinho, do vidro quebrado do copo, lá por volta dos 7 anos. Foram feitos para empurrar meu corpo pra frente durante a cambalhota. E me esticar bastante quando me espreguiço de manhã. São meus pontos de referência na parede branca enquanto eu tiro fotos. São feitos para me deixarem confusa. Nunca tive um senso de direção muito bom, a culpa é e quem? Culpa dos pés, que vivem percorrendo lugares até eu me perder. Foram feitos para não usar nada. Sentir a areia da praia. A água do mar, piscina ou cachoeira. tenho certeza que não iria a qualquer lugar, nenhunzinho sequer se não fosse essa vontade meliante de colocar um pé frente ao outro. Essa destreza inerte de poder percorrer o mundo só com eles. Calejados ou não. Limpos ou não. Calçados ou não. Por onde a gente sente um pouco do mundo bem perto da gente.